English
version
An
introduction to the poems: The
Counts of Portugal, Henry and Teresa, were the parents of
Afonso I Henriques who, in 1140, would become the founder
and first king of Portugal. With his sword Count Henry secured
the borders of the hereditary fiefdom he would bequeath to
his son. The founding of a dynasty symbolically justifies
one of the castles in the Portuguese coat of arms and gives
to Pessoa the opportunity to dwell into one of his recurring
themes: History is a fabrication of God the Creator, that
has been set since before man; predetermined, it is called
Destiny before it happens, and History after
it does. History and Destiny are the very same succession
of events; the Present is the moment when Destiny becomes
History! In this vision the hero is the unconscious performer
of God's Master Plan. Such was Count Henry, according to this
poem.
Countess
Teresa is, perhaps surprisingly, symbolized by one more castle.
Widowed, she ruled for over a decade but then refused to relinquish
power until defeated in battle against her son. An old tradition
(seemingly inspired by a lost piece of fiction written over
a century later, itself suggested by an episode that actually
happened with different people) holds that, after the victory,
Afonso Henriques imprisoned his mother and actually had her
in chains until the matter of succession had been settled
to his content. As far as is known today, that tradition is
not based in fact but it persisted and seemingly troubled
Fernando Pessoa (himself a loving son) as a stain to the memory
of Portugal's great founder-king. That inner trouble justifies
the surprising rendition of "Countess Teresa", undoubtedly
one of the most perplexing poems in Mensagem. Countess Teresa,
dead, lives on in the world of spirits ("where the day
is not") and through her prayers she shows only love
towards her son, who aged and died but is eternally her little
boy in the realm of the dead. At the time when the poem was
written, a negative image of Afonso Henriques still endured,
whence Pessoa's call for Countess Teresa's prayer to "change
his destiny", i.e. "make him be seen at a kinder
light by History". That, by the way, was exactly what
happened when, in time, historical data prevailed over tradition...
|
Every
outset is involuntary.
God
is the agent,
The
hero watches his own actions, confused
And
unconscious.
On
the sword found in your hands
Your
glance falls.
"What
am I to do with this sword?"
You
raised it aloft; and it was done.
|
All
nations are mysteries.
Each
one is the whole world on its own.
Oh
mother of kings and grandmother of empires,
Watch
over us!
Your
venerable breast nursed
With
spontaneous and natural certainty
He
who, unforeseen, God predestined.
Pray
for him!
May
your prayer change the destiny
To
the one your instinct foretold.
The
man who was your little boy
Has
now grown old.
But,
full of life, he is eternally young
Where
you are, and the day is not.
In
your ancient bosom, diligent,
Cuddle
him once more.
|
NOTA
FINAL: D.Tareja é, dos poemas de Brasão,
o de mais difícil interpretação sobretudo
por causa da frase misteriosa "Dê tua prece outro
destino". O poema consiste basicamente numa invocação
ao espírito de D.Teresa que o poeta faz no seu próprio
presente, isto é, muito depois da morte de D.Teresa
e de Afonso Henriques. Qual então o sentido da invocação
de um outro destino para quem já viveu a sua vida e,
ainda por cima, tendo o seu destino sido a origem de Portugal?
Para responder a isto comece-se por considerar alguns dados
relevantes sobre D.Teresa.
Como
filha de Afonso VI de Leão, D.Teresa e o marido D.Henrique
recebem do rei leonês o governo hereditário do
Condado Portucalense no ano do seu casamento (1096). Afonso
Henriques nasce durante a primeira década do século
seguinte e o Conde D.Henrique morre em 1112. Em 1125 Afonso
Henriques é armado (ou arma-se a si próprio,
à maneira dos reis) cavaleiro num enquadramento de
dúvidas sobre a sucessão no Condado. D.Teresa
tinha entretanto tomado como marido um fidalgo galego (Fernan
Peres de Trava) e parece apostada em manter o poder assinando
os documentos com o título de "Rainha". São
tentadas várias alternativas de divisão de prerrogativas
entre mãe e filho mas, na sequência de uma "purga"
de nobres portugueses que ocupavam altos cargos e que foram
substituídos por fidalgos galegos, o infante acaba
por exigir completo poder governativo sobre a totalidade do
território do Condado, conduzindo a um confronto armado
que ocorreu em 1128 nos arredores de Guimarães (Batalha
de S.Mamede). Sabe-se que nenhum dos principais intervenientes
neste confronto foi morto, que após esta data Afonso
Henriques assume a direcção total do Condado
e que essa situação foi aceite por todas as
partes em presença (não houve qualquer tentativa
posterior de inverter a situação através,
por exemplo, de uma invasão de Portugal a partir da
Galiza). Também se sabe que D.Teresa recolheu a um
convento na Galiza onde morreu três anos mais tarde.
Tudo isto é histórico.
Mas a
história real de Afonso Henriques terá originado,
duas ou três gerações após a sua
morte, um poema épico do tipo do longo e magnífico
Cantar
de Mío Cid em que, como sempre acontecia nestes
casos, a gesta do nosso primeiro rei foi "melhorada"
com muitas pequenas e maravilhosas histórias acessórias
tais como o Milagre de Ourique, a prisão a ferros de
D.Teresa após S.Mamede, a maldição da
mãe ao filho, etc... Este poema, de que infelizmente
nunca se encontrou qualquer cópia, foi divulgado e
tomado como base de outros trabalhos mais sérios, incluindo
a Crónica de Duarte Galvão escrita cerca de
300 anos após a morte de Afonso Henriques. Estas pseudo-fontes
sedimentaram a lenda de que o filho teria prendido a mãe
a ferros quando os factos históricos que se conhecem
parecem apontar S.Mamede como uma justa antecipadamente combinada-
espécie de torneio em que os contentores sujeitavam,
através do combate, o seu pleito ao julgamento divino
e aceitavam sem discussão o respectivo resultado. Sendo
assim, D.Teresa ter-se-ia retirado voluntariamente para o
exílio na sequência da sentença divina,
deixando ao filho o governo de Portugal sem que tivesse havido
qualquer episódio de prisão da mãe pelo
filho.
Na falta
de factos históricos, os historiadores são frequentemente
tentados a adiantar hipóteses para colmatar brechas
(tal como eu, sem ser historiador, o fiz no parágrafo
anterior). Frequentemente esta ficção toma a
forma de uma construção do carácter das
figuras históricas. Uns historiadores podem apresentar
Afonso Henriques como nobre pai da nação que
traçou, com grande visão estratégica,
o futuro de um país independente e o foi consolidando
tenazmente à custa de brilhantes vitórias políticas,
sempre que possível, ou militares, quando necessário
-o recente esquiço biográfico da autoria de
Diogo Freitas do Amaral é deste tipo. Outros podem
apresentá-lo como um belicoso obsessivo, espécie
de berserker, capaz de pôr a mãe, já
derrotada no campo de batalha, a ferros numa masmorra escura
enquanto prepara os próximos ataques a territórios
que descansavam à sombra de um ilusivo tratado de paz
assinado com o traiçoeiro Henriques- imagem que alguns
autores traçaram do nosso primeiro rei na sequência
do trabalho de Oliveira Martins, em finais do séc XIX,
que muito influenciou o pensamento durante a 1ª República.
Antes
de passar à interpretação do poema note-se
que Fernando Pessoa nutria um grande amor filial pela mãe,
como testemunham alguns escritos publicados após a
sua morte, e que, portanto, devia considerar que a lenda segundo
a qual Afonso Henriques pusera a mãe a ferros era uma
grande mácula na reputação do nosso primeiro
rei.
Neste
poema Pessoa pede, então, a D.Teresa que, no reino
dos mortos onde se encontra, vele por Portugal e reze pelo
filho. Espera que dessa prece resulte que ele seja visto positivamente
pela História e pede-lhe que o acarinhe de novo no
seu colo como o fez quando ele era criança. Em "D.Tareja"
a personalidade de Afonso Henriques não é directamente
referida como boa ou má. Mas através da visão
de Pessoa o leitor conclui que quem, depois de morto, inspira
tal carinho à mãe, também já morta,
não pode deixar de ser um bom filho. "Dê
tua prece outro destino" interpreta-se, assim, como:
"que a tua prece faça com que os portugueses vejam
o teu filho a uma luz gloriosa e favorável e não
de uma forma negativa como hoje" (isto é, em 1928
quando o poema foi escrito). Curiosamente foi isso mesmo que
sucedeu, graças aos historiadores do Estado Novo (e,
recentemente e com excelente argumentação lógica,
graças também a Freitas do Amaral) que demonstraram
não haver qualquer fundamento histórico para
a lenda da prisão de D.Teresa e muito menos que as
pernas lhe tenham sido postas a ferros e por isso amaldiçoasse
o filho!
|