Figurado industrial de Barcelos
       
   

Em muitas regiões do País nasceram e desenvolveram-se indústrias cerâmicas, artesanais ou verdadeiramente fabris, associadas à existência de matérias-primas locais. Num pequeno grupo de aldeias que ladeiam a estrada de Barcelos para o Prado, no entanto, desenvolveu-se e floresceu uma entidade industrial muito curiosa, espécie de cluster (mas muito diferente dos que divulgou Michael Porter) que lembra as antigas concentrações de indústrias relojoeiras da Floresta Negra ou do Vale de Joux onde, a par de trabalho de índole agrícola, os habitantes locais se dedicavam em part-time ao fabrico de fornituras de relojoaria, mostradores, caixas,etc, ou à montagem de relógios para comercialização por vendedores-viajantes.

Interessar-me-á em particular a produção de figurado em moldes ("bonecos" de Barcelos) e as particularidades que mais me atraiem neste fascinante "cluster à portuguesa" são a capacidade de adaptação às solicitações do Mercado, associada à criatividade (artística e tecnológica- esta última mais propriamente designável por "desenrascanço") e, muitas vezes, a tocante candura dos produtos. Uma peculiaridade deste "cluster" centrado em Santa Maria de Galegos (a cerca de 5km de Barcelos) consiste na fluidez da interacção entre as várias unidades produtivas, plagiando-se mutuamente, comprando-se mutuamente produtos já acabados para comercialização, ou abastecendo-se entre vizinhos de peças apenas cozidas para pintar e vender posteriormente. Estas unidades vão desde pequenos agregados familiares cuja tecnologia se limitava à possibilidade de pintar figuras já cozidas, até verdadeiras fábricas com instalações próprias e capacidade de originar peças de notável complexidade.

   
   

Desde a década de 1960 que o figurado de Barcelos tem recebido a atenção dos apreciadores da Arte dita "Popular" mas que, a partir do momento em que é descoberta e passa a ser feita para diletantes ou para marchands, deixa verdadeiramente de o ser e passa a emparceirar com a produção dos artistas "encartados". A bonecada feita em molde (figuras de presépio, galos de Barcelos, etc, por vezes chamada "figurado sortido") também não é Arte Popular e costuma ser desconsiderada pelos mesmos autores que justificadamente glorificam as peças únicas (obras de artista).

Quem vos escreve estas linhas tem estudos em engenharia mecânica e em gestão empresarial e industrial e, portanto, algum entendimento dos mecanismos do Mercado e do processo industrial. Há três grupos de peças de fabricação local em molde que me interessam particularmente: i) as figuras de presépio; ii) os galos de Barcelos; e iii) as cerâmicas kitsch (pinguins com cartola, cães com laivos verdes e vermelhos com uma bola de futebol debaixo da pata, etc). E nestas peças vejo uma arte que talvez só apele aos engenheiros: a arte de desenvolver um produto para satisfazer um mercado e montar uma cadeia de fabricação e comercialização para o fazer de maneira lucrativa, resolvendo problemas tecnológicos e manageriais de certa monta relativa e adaptando-se permanentemente à procura. Se pensarmos que muitas das pessoas envolvidas nas cadeias decisórias eram iletradas, começa a configurar-se algo de excepcional. E, uma nota: quem fabrica pinguins de cartola não tem mau-gosto! O fabricante escolheu um mercado-alvo e tenta satisfazê-lo: faz o que se vende (neste caso, nas feiras). Quanto aos compradores... bem, se algum dos leitores tiver um pinguim desses na secretária, não quero que se sinta insultado!

   
    Este site, se algum dia o completar, compreenderá quatro ensaios: o primeiro sobre a origem, desenvolvimento e tipologia das figuras de presépio de Barcelos; o segundo sobre o galo de Barcelos. Posteriormente, se tiver tempo e estiver bem disposto, escreverei algo sobre a cerâmica kitsch e publicarei um pequeno ensaio sobre a tecnologia do figurado moldado.
   
    1- As figuras de presépio de Barcelos
    2- O Galo de Barcelos (origens e evolução)
    3- Faianças Kitsch de Barcelos
   
25 de Junho de 2008
   
João Manuel Mimoso
     
   
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