MENSAGEM de Fernando Pessoa- Segunda Parte: MAR PORTUGUEZ
- FERNÃO DE MAGALHÃES
.Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Óleo de Carlos Alberto Santos
FERNÃO DE MAGALHÃES
No valle clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do valle vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

 

De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titans, os filhos da Terra
Que dançam da morte do marinheiro
Que quiz cingir o materno vulto-
Cingil-o, dos homens, o primeiro-
Na praia ao longe por fim sepulto.

 

Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda commanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.

 

Violou a Terra. Mas elles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do valle pelas encostas
Dos mudos montes.

Comentários:

Este poema refere-se à viagem de circum-navegação da Terra, iniciada por Fernão de Magalhães e terminada pelo basco Sebastián Elcano após Magalhães ter sido morto em combate por nativos de uma das ilhas do arquipélago filipino.

Como solução estilística recorrente, Fernando Pessoa não se refere directamente aos feitos do visado mas aborda apenas um momento da sua vida, mais precisamente a morte. Fará o mesmo em relação a Bartolomeu Dias e a Vasco da Gama. Presumivelmente trata-se da materialização da sua ideia de que uma vida sem sonho não vale a pena e de que é no momento da morte que se podem contabilizar as valias de cada vida.

Fernando Pessoa descreve uma dança de selvagens, presumivelmente dos guerreiros que o mataram (aliás em legítima defesa...) que compara aos titãs, antigos deuses da terra que, na mitologia grega, antecederam os deuses do céu.

Simbolicamente, os seres da terra dançam da morte daquele que, concluindo o sonho do Infante, a rodeou tornando-a una e rasgando o último mistério (violando a Terra, como diz Pessoa). E doravante já ninguém, mesmo vivendo numa ilha remota, estará isolado. A Terra vingou-se da violação, através dos seus "filhos", com a morte do navegador. Mas eles não sabem que aquele que mataram acabou com o seu isolamento geográfico e porque não o sabem mantêm-se na solidão da ignorância. E a Terra, enfim desvendada para o Ocidente, é muda para eles...

.Ouça aqui o poema (para estudantes de português) .
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Lisboa, Portugal. Setembro 08, 2003
 
Revisto Agosto 27, 2007
João Manuel Mimoso
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NOTAS: Poderão ler aqui uma página interessante sobre Fernão de Magalhães e sobre a viagem que o tornou o navegador supremo.

English version

An introduction to the poem: This poem is dedicated to Magellan and again focuses on the time of his death. A group of savages, compared to the Titans, dance by the fire on the death of the navigator. He wanted to encompass the whole Earth and tear away its last grand veil. And although he could not complete the quest, his determination outlived him and directed the fleet to the place where the distance finally ended, and that was the point where the voyage had begun...

Magellan

In the valley a fire grows brighter.
A dance shakes the whole earth.
And shadows, enormous and disordered,
In black flashes go, suddenly, from the valley
And up the slopes,
Blending into the dark.

 

Whose is the dance that terrifies the night?
It is the Titans', the sons of the Earth,
Who dance at the death of the sailor
Who wanted to encircle mother earth-
To gird it, of all men the first -,
On the strand, far off, buried at last.

 

They dance, not knowing that the daring soul
Of the dead man still commands the fleet,
Strength without body at the helm, steering
The galleons through the rest of the ends of space:
For even though departed he was able to encompass
The whole Earth with his embrace.

 

He transgressed Earth. But they
Know it not, and dance in isolation;
And shadows, enormous and disordered,
Blending into horizons,
Mount from the valley up the slopes
Of the mute hills.