MENSAGEM de Fernando Pessoa- BRAZÃO
I- OS CAMPOS 
Primeiro- O DOS CASTELLOS
(ler a versão inglesa do poema)
-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Composição de ilustrações de Carlos Alberto Santos
O DOS CASTELLOS
A Europa jaz, posta nos cotovellos:
De Oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.

 

O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquelle diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.

 

Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado.

 

O rosto com que fita é Portugal.

Comentários:

O poema é uma descrição do mapa da Europa que Pessoa assemelha a uma mulher reclinada. Compare-se com um trecho d' Os Lusiadas de que a parte referente a Portugal pode ser lida (com comentários meus) seguindo este "link". O campo dos castelos representa a materialidade (ver "O das Quinas").

"olhos gregos, lembrando"- lembrando a herança cultural da Europa que Pessoa remontava à Grécia Antiga.

"olhar esfíngico e fatal"- olhar enigmático (imperscutável) e (mas) pré-destinado. Note-se que, por fidelidade, foi mantida a ortografia original o que permite, também, conservar a métrica que seria alterada pela grafia "esfíngico" em vez de "sphyngico". Ao que parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia clássica por razões de estilo mas também de elitismo.

"o Ocidente, futuro do passado"- o Mar, onde a Europa se lançou, através de Portugal, na grande Idade das Descobertas com a qual traçou o seu próprio futuro (o actual e, pensa Pessoa, também o futuro a haver).

.-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) .

NOTA: sobre este poema leia-se o comentário de Soares Feitosa no Jornal da Poesia:

" O leitor já tem todo o direito de ir dizendo: "Também, com Pessoa, é moleza...". Nada disso. Só neste poema, de tudo o que li de Pessoa, há o abismo-absoluto-e-inesperado — hifenizei: abismo-absoluto-e-inesperado. A mesma angústia da falta de tempo do Anjo sobre as águas... Em análise: Trata-se de um poema “geográfico”, mero comparatório do mapa físico da Europa com a efígie de uma pessoa. A Europa jaz, posta nos cotovellos: De Oriente a Occidente jaz, fitando, E toldam-lhe romanticos cabellos Olhos gregos, lembrando. Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. O cotovello esquerdo é recuado; O direito é em angulo disposto. Aquelle diz Italia onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se appoia o rosto. Ainda sem maior interesse. Dir-se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema bobo. Confira no mapa da Europa — é assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra seriam os cotovelos de uma jovem. Fita, com olhar sphyngico e fatal, Occidente, futuro do passado. Aqui a coisa já começa a “complicar”. Anunciam-se borrascas e temporais: Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado. Mas, finalmente, mas: O rosto com que fita é Portugal. Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada, parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas, a própria Ode Marítima, esta do mesmo Pessoa, contidos nesta frase perfeita: O rosto com que fita é Portugal.! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico — era terreno preparatório (Batista, às margens do Jordão, batizando o Cristo) para o grande final, o rosto que fita, onde fitar não é simplesmente sinônimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!".

English version

An introduction to the poem: The castles in the Portuguese coat-of-arms represent walled towns that were conquered from the Moors in medieval times. Thus, the field of the castles pertains to the materiality in the country. Appropriately this first poem in Mensagem starts by a brief description of the map of Europe and of the geographic position of Portugal in it. According to the mythic origin of the continent, Europe is a woman whose Greek eyes remind us of the racial and cultural origin of the Portuguese nation (which Pessoa believed to be rooted in pre-classical Greece).

But, as often happens in Pessoa's best work, a final twist makes us review the simplicity we had laid out in our minds. Europe is staring out west to the future of the past and... the staring face is Portugal! A double meaning is intended: on one side, this is a clear reference to the fact that Portugal has, in the past, sought its destiny in the sea and consequently spearheaded the European expansion overseas; but on the other side the mention of the future means that the saga is not over yet and that the future of Europe still awaits out west. According to Fernando Pessoa's belief, Portugal will, one day, again show the way and that profecy is the Message itself...

The Field of the Castles

Europe lies, reclining upon her elbows:
From East to West she stretches, staring,
And romantic tresses fall over
Greek eyes, reminding.

 

The left elbow is stepped back;
The other laid out at an angle.
The first says Italy where it leans;
This one England where, set afar,
The hand holds the resting face.

 

Enigmatic and fateful she stares
Out West, to the future of the past.

The staring face is Portugal.

NOTA: Li a tradução de 1997 do Prof. Mike Harland antes de produzir as minhas versões.

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Lisboa, Portugal. Agosto 29, 2003
 
Revisto Janeiro 13, 2004
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João Manuel Mimoso