MENSAGEM de Fernando Pessoa; Primeira Parte-BRAZÃO
V- O Timbre: A Outra Asa do Grypho
AFFONSO DE ALBUQUERQUE
-Ouça aqui o poema (para estudantes de português) Ilustração de Carlos Alberto Santos
AFFONSO DE ALBUQUERQUE
De pé, sobre os paízes conquistados
desce os olhos cansados
de ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte,
tam poderoso que não quere o quanto
póde, que o querer tanto
calcára mais do que o submisso mundo
sob o seu passo fundo.
Trez impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Creou-os como quem desdenha.

Comentários:

O poema centra-se no desempenho de Afonso de Albuquerque na Ásia, por contrapartida com o seu descrédito na corte de Lisboa motivado por invejas.

"tão poderoso que não quer o quanto pode, que o querer tanto calcara mais do que o mundo sob o seu passo"- Albuquerque podia até ter-se proclamado imperador, mas sempre foi súbdito fiel do Rei D.Manuel. Não queria o quanto podia porque o seu sucesso lhe pesava mais sobre os ombros (por ter perdido o favor real) do que a conquista pesara aos povos submetidos.

"três impérios lhe a Sorte apanha"- refere-se às conquistas de Goa (na Índia), Malaca (na Malásia) e Ormuz, no Golfo Pérsico.

"apanha-os como quem desdenha"- submete-os como se isso fosse coisa de pouca monta.

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-Ouça aqui o poema (para estudantes de português)
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Lisboa, Portugal. Dez 20, 2003; revisto Mar 08, 2004
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NOTA: Por vezes discute-se a importância das virgulas. Note-se, a título de exemplo, que os primeiros versos nos dão Afonso de Albuquerque de pé e que os seus olhos cansados de ver a injustiça descem sobre os países conquistados. Note-se que o significado seria formalmente diferente se a virgula fosse mudada: "De pé sobre os paises conquistados, desce os olhos cansados..."!

English version

An introduction to the poem: In 1509 Albuquerque took charge of the Portuguese interests in India. By then it was evident that peaceful trade was not possible without a military hegemony over the trade routes and the new governor established it with characteristic zeal by taking Goa, Malacca and Ormuz (the three "empires" mentioned in the poem) and organizing an administrative system that would be the mainstay of the Portuguese Empire in Asia. But his success in the East was his downfall in Lisbon: ill-advised by envious cortisans, king Manuel I thought that his governor had grown too ambitious and was following his own policies rather than his written orders. He fell in disfavour (whence the verse about how his success weighed on him more than his rule on the conquered countries) and was replaced but died before returning to Portugal.

This was, to me, the hardest translation in Mensagem because what were relatively simple ideas in Portuguese proved unmanageable without changing the text. The last verse, in particular, could not be properly rendered and the English version is by no means level with the Portuguese meaning. In this poem Pessoa shows his superlative craftsmanship of the language.

Afonso de Albuquerque

Standing upright, towards the conquered countries
He lowers his weary eyes
From seeing the world, the injustice and fate.
He thinks not of life or death
So powerful that he wants not all
That he may, because wanting so much
Has weighed him down more than
His heavy step had the submissive world.
From the ground, three empires Fate picks for him.
He raised them as if he made little of it.