A AGÊNCIA PORTUGUESA DE REVISTAS
     
OS PRIMEIROS SUCESSOS (1950-1951)
   
por João Manuel Mimoso
 
Nº 3 do X-Magazine com uma excelente capa de Vitor Péon, mas insuficiente para salvar o titulo face à concorrência do Vampiro Magazine.
 

Quando, na Primavera de 1950, António Dias e Mário de Aguiar discutiram o futuro da agência de distribuição que se tornara editora, estava na mesa a necessidade de reduzir custos. Um anúncio publicado nessa época evidencia a situação: a Agência assegurara a representação da revista mexicana La Familia, de pequena circulação e, além de Mãos de Fada e das suas próprias publicações, distribuía apenas a revista Turismo, pouco significativa, onde o anúncio veio inserido.

É provável que a hipotética terminação d'O Mundo de Aventuras não tenha sido seriamente encarada. Se era verdade que, por um lado, a circulação do magazine juvenil era inferior aos desejos dos editores, pelo outro, no entanto, a cadeia de distribuição estava montada e provavelmente dependia da publicação semanal para funcionar regularmente. Sem essa cadeia a empresa perderia o seu activo mais valioso. Mas possuía outros ases no baralho, também eles dependentes da manutenção da actividade editorial. Tratava-se, sobretudo, das colaborações de José de Oliveira Cosme, personalidade da rádio e homem de múltiplos talentos que, entre outros personagens, imaginara o incorrigivelmente cábula Menino Tonecas, e de José Roussado Pinto, um jovem já com experiência em vários jornais infantis e também prolífero escritor.

   
           
Nº105 do Mundo de Aventuras
 

Em Junho as decisões estavam tomadas e começaram a ser levadas à prática: a publicação do X-Magazine, cujo aspecto gráfico tinha entretanto sido muito melhorado mas que não podia competir com o Vampiro Magazine da editora Livros do Brasil, foi terminada com o nº 3, não chegando a sair o número de Julho que esteve, no entanto, anunciado. O Mundo de Aventuras teve o formato reduzido para metade a partir do nº 45, permitindo poupar 25% do papel apesar do aumento de 12 para 16 páginas. Além disso a impressão de duas páginas em quadricromia deu lugar à de quatro páginas litografadas a uma cor, com uma considerável diminuição do custo total.

Curiosamente a redução do formato, apesar de provavelmente ditada apenas por motivos economicistas, pode ter sido uma bênção escondida: a revista foi posta a uma escala mais adequada às crianças, tendo ficado mais robusta, mais fácil de transportar, e sobretudo muito mais cómoda de ler em qualquer das posições exóticas em que os miúdos se recostam a ler o seu magazine favorito. A economia de papel fez escola: em breve a Agência havia de editar revistas de banda desenhada com metade e até com a quarta parte do formato do novo Mundo de Aventuras. Mas a impraticabilidade dos grandes formatos por simples razões geométricas parece ter passado despercebida: a noção de que as dimensões maiores eram prestigiosas voltaria a manifestar-se no futuro, e de novo com maus resultados.

   
           
Travassos- terceira separata d'O Mundo de Aventuras, oferecida com o nº 53.
 

Uma outra pequena modificação que pode ter contribuído para o sucesso foi que, para evitar os cortes dos censores, a revista intitulava-se, agora, proeminentemente, na capa: "Semanário juvenil para maiores de 17 anos". Se as crianças dessa época eram como as da minha época (e de certeza que eram!) esse pequeno detalhe deve ter contribuído mais do que se pode imaginar para a subida de circulação entre os mais pequenos.

Em breve foi introduzida mais uma inovação que completou o facelift d'O Mundo de Aventuras: era usual as revistas portuguesas oferecerem separatas aos seus leitores que, nas publicações infantis, eram tradicionalmente constituídas por construções impressas, para recortar e armar. Pois bem, com a redução dos custos e as tiragens a subir O Mundo de Aventuras podia agora oferecer uma separata. No entanto seria incongruente oferecer uma separata verdadeiramente infantil aos “maiores de 17 anos”... a resposta foi simples: ofereceu-se uma separata para adultos, inspirada nas que revistas como a Stadium oferecera ocasionalmente alguns anos antes: o nº 47 d’O Mundo de Aventuras foi o primeiro a vir acompanhado de uma bela fotogravura impressa por Bertrand Irmãos e ilustrando a equipa de futebol do Benfica que ganhara recentemente a taça latina. Outras se seguiram, reproduzindo fotografias da fadista Amália Rodrigues e do toureiro Manuel dos Santos, mas tornou-se evidente que os números com separatas desportivas tinham mais venda e estas passaram a gozar de uma quase exclusividade.

   
           
Condor nº 5
 
Plateia nº 1
 

É difícil comprovar em absoluto o insucesso da 1ª fase d'O Mundo de Aventuras, que finalizou no nº 44, através da sua incontestável raridade no mercado coleccionista, uma vez que pode ser argumentado que o papel utilizado é frágil e o formato não convida à conservação das revistas. Mas já é fácil avaliar o sucesso das alterações introduzidas pela frequência comparativa dos números que se seguiram. A primeira meia dúzia de números a partir do 45 é ainda muito rara, presumivelmente porque o mercado ainda não respondera ao newlook. Esta raridade comprova, assim, indirectamente a baixa circulação inicial. Mas após se ter completado o primeiro ano, com o nº 52, o número de exemplares hoje remanescentes começa a tornar-se cada vez maior até que, na primeira metade de 1951, é já francamente elevado. Nesta época já o preço de capa tinha aumentado para 1$80, permitindo um maior desafogo. E os dois sócios preparavam os passos seguintes: em Abril de 1951 foram lançados simultaneamente dois novos títulos: no campo da banda desenhada foi publicado o primeiro número da Colecção Condor; no campo do cinema iniciou-se a publicação da revista Plateia.

A Colecção Condor foi a primeira aposta da Agência no campo das histórias completas. Foi, também, a primeira colecção portuguesa de mini-álbuns de BD já que todas as revistas anteriores publicavam histórias de continuação. Utilizava-se a mesma folha de papel de jornal em que se imprimia O Mundo de Aventuras e que com três dobras resultava numa revista de 16 páginas, mas imprimia-se, agora, uma história completa e fazendo-se quatro dobras resultavam 32 páginas num formato de 21,5X14,5 cm (metade do do "novo" Mundo de Aventuras) ao preço de 2$50. Da capa consta o aviso "Para adultos, maiores de vinte anos" e pergunto-me se não haveria a intenção de sugerir aos jovens que o conteúdo era um fruto ainda mais proibido do que as histórias análogas e igualmente inocentes d'O Mundo de Aventuras, "para maiores de 17 anos"... A revista é interessante mas a raridade actual comprova que não foi popular. Publicou-se, no entanto, mensalmente durante cerca de 5 anos e viria a ter descendência...

   
           
  O primeiro número da Plateia está datado do dia 1 de Abril de 1951. Inicialmente de publicação quinzenal, ao preço de 2$50, Plateia incluíu desde o nº 1 a separata a cores com a fotogravura de um artista (Clark Gable no nº 1; Esther Williams vestindo um duas-peças de praia no nº 2, etc.) cuja valia tão bem comprovara a experiência d’O Mundo de Aventuras. Apesar de ser lançada num meio editorial com diversos concorrentes, Plateia parece ter sido um sucesso instantâneo a que talvez não tenha sido totalmente alheia a publicação de fotografias de starlettes estrangeiras em sugestivas poses e desnudadas até ao limite permitido na época a uma publicação familiar. A partir do nº 2 foi utilizado um papel de maior gramagem, que corrigiu o único verdadeiro defeito do número inicial da revista, e as antigas Plateias, com capa e interiores ilustrados a preto e branco, ainda hoje têm procura no mercado alfarrabista e ainda mantêm um discreto encanto.    
           
 

Mas a Plateia não foi apenas mais um título, como tantos que viriam depois. Na verdade abriu perspectivas num campo de grande mercado – a cinefilia – que em breve seriam exploradas pela venda de fotografias de artistas e pelo lançamento de spin-offs de grande circulação. Também permitiu a exploração de novas ideias de uma maneira barata e pouco arriscada: ocasionalmente eram publicados suplementos a determinados números da Plateia, com o mesmo aspecto gráfico, o mesmo preço, e incorporando, até, a sua própria separata. Alguns eram verdadeiros números únicos, como o que foi dedicado à então recentemente falecida Rainha D. Amélia. Outros, como os dedicados à selecção portuguesa de hóquei em patins ("Suplemento desportivo ao nº 5 de Plateia"), ao toureiro Manuel dos Santos, ou ao filme A Túnica, podem ser considerados experiências na publicação de títulos mais genéricos nos campos respectivos.

   
           
  Em 1 de Setembro de 1951 aparece no nº 11 da Plateia um anúncio ao que se supõe ser uma nova representação: a revista espanhola de moda Alta Costura, vendida ao preço de 15$00. A continuidade dos anúncios parece evidenciar um certo sucesso nas vendas, que deve ter reacendido o antigo interesse de Mário de Aguiar pelos figurinos. A 1 de Novembro de 1951 é anunciado um novo lançamento: a revista A Moda, ao preço de 5$00, cuja capa ilustra um modelo fotografado junto aos cavalinhos da Praça do Império. Mas a revista falhou e é provável que apenas tenha sido publicado um número.    
           
Envelope Cromos Cultura da Editorial Bruguera, cerca 1945.
 
  Entretanto, a busca de representações deve ter levado Mário de Aguiar a Espanha, onde tomou contacto com um nicho de negócio ainda inexplorado em Portugal: os cromos coleccionáveis vendidos em envelopes-surpresa. Desde a década de 1920 que proliferavam no nosso País cromos que eram oferecidos na compra de rebuçados, caramelos, ou chocolates, cujo único argumento de venda era, muitas vezes, o próprio cromo que lhes servia de invólucro. Mas em Espanha dera-se, quinze anos atrás, um desenvolvimento comercial pelo qual os cromos coleccionáveis se tornaram eles próprios um produto vendável. A técnica consistia em colocar no mercado pequenos envelopes contendo dois, três, ou quatro cromos a preço fixo. O coleccionador compraria envelopes até quase conseguir completar a colecção, sendo as últimas faltas vendidas directamente pelo editor aos compradores do álbum, que incluía as legendas e onde se colaria a colecção para formar um livro ilustrado. Em meados de 1951, os dois sócios planearam lançar uma colecção de cromos-surpresa puramente nacional tendo apropriadamente como tema a história de Portugal. Para a desenhar Mário de Aguiar escolheu o mesmo Carlos Alberto Santos que tão bem se saíra n’O Mundo de Aventuras. O trabalho foi encomendado à Fotogravura Nacional, com a qual entretanto o atelier de José David se fundira, mas mais tarde foi confiado directamente ao artista que, assim, passou a actuar como freelancer ainda antes de completar vinte anos.    
           
 

Mas o trabalho de pesquisa e desenho foi-se prolongando e Mário de Aguiar, desejoso de lançar as colecções de cromos-surpresa no mercado antes que algum concorrente se antecipasse, decidiu finalmente comprar uma colecção já feita à Editorial Bruguera de Barcelona, que publicava muitas das mais belas e cuidadas colecções de quantas eram oferecidas no mercado espanhol.

No início de Outubro de 1951, O Mundo de Aventuras nº 112 anunciava o próximo lançamento da colecção Os Três Mosqueteiros nos seguintes termos: "A grande obra de Alexandre Dumas (...) de uma maneira inteiramente nova e original – toda a história é publicada num álbum, com a indicação para colocar os bonecos. Os bonecos são vendidos, separadamente, em série de três num envelope surpresa". A ilustração à esquerda reproduz a capa do álbum da colecção espanhola adquirida pela Agência Portuguesa de Revistas.

   
           

A Editorial Bruguera não publicava só cromos: era um império de entretenimento gráfico, desde os livros infantis até aos romances para adultos, passando por todo o tipo de publicações para jovens. Mário de Aguiar terá visto na Bruguera um modelo do que aspirava para a ainda modesta Agência Portuguesa de Revistas e voltou da Catalunha com a cabeça cheia de projectos e a mala cheia de títulos. Em Novembro de 1951 a Agência começou a publicar quatro das colecções de livros de autores espanhóis que a Bruguera produzia: as românticas Pimpinela e Rosa (ao lado o nº 1 desta última, chamada Colección Rosaura no país de origem); o Serviço Secreto, de acção; e a Bisonte, de cowboys.

Nesse momento a Agência bifurcou-se enquanto editora: uma parte da produção era genuinamente nacional na ideia e na determinação dos conteúdos; outra dependia da ligação catalã e seguia modelos e conteúdos espanhóis. A dependência da Bruguera iria aumentar perigosamente nos anos seguintes...

     
...continua na História da Agência Portuguesa de Revistas - 3ª Parte
 
     
Agradecimentos
 
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